A Igreja deve permanecer de portas abertas durante a pandemia, seguindo as regras de segurança e acolhendo quem buscar ajuda.
Bíblia no banco da igreja. (Annie Spratt / Unsplash)
Por Denise Santana
Muitas opiniões e polêmica. Uns diziam que não e outros que sim. Ninguém se entendia em Brasília a respeito da abertura ou não dos templos durante a pandemia. Os que defendiam o fechamento das igrejas diziam não ser serviço essencial. Por isso, deveriam ficar fechadas assim como o comércio de rua, parque, feira, shopping, bar e restaurante. Os que defendiam que igreja é serviço essencial para a sociedade afirmavam que os diversos grupos religiosos são um amparo espiritual, psicológico e social para a população.
Diante do impasse, Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, assinou decreto fechando todos os templos em março, no início do isolamento social. Somente estavam autorizados a funcionar os serviços essenciais como farmácias, hospitais, postos de gasolina, supermercados, entre outros. Os templos foram fechados e os líderes religiosos optaram por realizar as reuniões pela internet. As igrejas evangélicas fizeram transmissão dos cultos pelas redes sociais.
Dois meses depois, em maio, o governador voltou atrás e reconheceu que igreja presta serviço essencial, permitindo a abertura dos templos desde que seguissem recomendações como afastamento mínimo de 1,5 metro entre as pessoas, demarcação de assentos mantendo fileiras desocupadas, proibição de acesso de idosos com mais de 60 anos, de crianças menores de 12 anos e de pessoas do grupo de risco. Foi obrigatório o uso de máscara e álcool em gel.
Em junho, novo decreto aumentou as regras para o funcionamento das igrejas em época de pandemia. Só puderam funcionar igrejas cujas reuniões fossem realizadas em locais com capacidade para mais de 200 pessoas. Ainda foi obrigatória a alternância de fileiras de cadeiras a serem ocupadas com outras cadeiras desocupadas. Também foi exigida fixação de placa informando a capacidade total do espaço, a metragem quadrada e a quantidade máxima de pessoas permitidas. A igreja teve que fazer medição da temperatura das pessoas na entrada com termômetro infravermelho sem contato.
Ficou proibido entrar nos templos pessoas que apresentassem temperatura maior do que 37,2°C. As reuniões coletivas deveriam ser por meio virtual, os cultos deveriam ter, no mínimo, duas horas de intervalo entre cada um. Por fim, as regras diziam que o aconselhamento deveria ser realizado de forma individual para evitar aglomeração.
Já em agosto foram publicados mais dois decretos. Um permitiu que idosos acima de 60 anos participasse de culto presencial. Mas crianças menores de 12 anos e pessoas com comorbidades continuaram proibidas de frequentar o templo. O outro decreto foi o último publicado no Diário Oficial do Distrito Federal até o fechamento desta edição. Liberou cultos e missas para todas as igrejas, independentes da capacidade.
Anteriormente só poderia abrir e realizar culto o espaço com capacidade superior a 200 pessoas. Estavam impedidas de abrir as igrejas que funcionam em locais pequenos. Mas com esse último decreto a restrição caiu. A flexibilização ajudou as igrejas de pequeno porte que somam mais de 80% dos templos do Distrito Federal. Só para se ter uma ideia, há cidades que cem por cento das igrejas são classificadas dentro do padrão de pequeno porte como Itapoã, por exemplo, que fica a 24 quilômetros do centro de Brasília.
Ainda com a flexibilização, continuam valendo regras sanitárias como uso de máscara e de álcool em gel 70%, higienização dos pés e distanciamento mínimo de 2 metros entre as pessoas. Crianças menores de 12 anos e pessoas com comorbidades continuam proibidas de ir ao culto. O cumprimento das medidas é acompanhado pelo governo local que fiscaliza o funcionamento dos templos.
Observe que, a cada decreto, o governo aumentava uma determinação. Por isso é importante especificar o que era permitido ou proibido a cada ato.
Nova lei determina igreja como serviço essencial
Depois da polêmica, para garantir o funcionamento das igrejas mesmo em tempos de crise sanitária (calamidade pública, situação de emergência, epidemia ou pandemia), a Câmara Legislativa do DF aprovou e o governador Ibaneis Rocha sancionou a Lei nº 6.630, de 10 de julho de 2020, que reconhece as igrejas, de todos os credos, como prestadoras de serviço essencial. Isso impede que as igrejas sejam fechadas aleatoriamente pelo governo durante a pandemia do novo coronavírus ou qualquer outra situação de crise sanitária. A lei é uma vitória das igrejas uma vez que a Justiça Federal havia retirado as atividades religiosas da lista de trabalho essencial.
São consideradas essenciais todas as atividades realizadas tanto nos templos quanto fora deles. O livre exercício do culto está assegurado. Os líderes religiosos comemoraram a nova lei uma vez que a Constituição Federal e a Declaração universal dos Direitos Humanos garantem a liberdade de culto. A lei não altera os decretos estabelecidos pelo governador regulamentando como deve ser o funcionamento dos templos durante a pandemia. Ou seja, seguem valendo as atuais regras sanitárias.
Para restringir agora as atividades religiosas, a norma diz que tem que embasar a decisão nas regras sanitárias ou de segurança pública. Para que as pessoas sejam impedidas de participar de cultos, é necessário que o órgão fiscalizador diga a extensão, os motivos e os critérios científicos e técnicos que dão embasamento às medidas. Essa proibição não pode ser, por exemplo, por vontade ou simples opinião do governante.
Não resta dúvida de como as igrejas são um amparo para a comunidade. Os trabalhos são os mais diversos, indo desde a realização de cultos, doação de cestas básicas, aconselhamento a apoio com psicológicos. A fé gera esperança. E como a desesperança tem rondado o Brasil diante do caótico cenário de mortes. Até o fechamento desta edição, em 16 de agosto, às 12 horas, de acordo com Ministério da Saúde, são 107. 232 mortes pela Covid-19, 3.317.096 casos confirmados e 2.404.272 pessoas recuperadas. Igrejas com portas abertas é a garantia da assistência chegar a quem precisa. A igreja alcança pessoas abandonadas pelo Estado.
Liberdade
De acordo com advogado Laerte Queiroz, que foi presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB /DF entre 2016 a 2018, os decretos estaduais, distritais e municipais que determinam o fechamento das igrejas são inconstitucionais, pois afetam o direito fundamental previsto na Constituição.
“Decretos de governador e de prefeito não podem ir contrário a Constituição. Isso é competência exclusiva da União. Embora eu também reconheça que a União não pode fazer esse tipo de controle. Vivemos em um Estado laico onde há separação entre Estado e religião. Se eu permito que o Estado entre dentro da religião, eu devo permitir também que a religião entre dentro do Estado. Senão está tendo um desequilíbrio na balança. Por estarmos diante de um Estado laico onde a religião em si não pode governar, estabelecer o seu dogma como o dogma de todos a serem seguidos, o Estado também não pode intrometer na religião”, afirma Queiroz.
“A Constituição diz, no artigo V, que o culto é inviolável. O Estado não pode interferir no culto salvo para a sua preservação. Ou seja, se houvesse um comportamento do Estado, teria que ser um comportamento positivo para ajudar a manter o culto. Como isso se daria? A gente deveria estudar uma medida para ver como fazer em época de pandemia. O Estado poderia fazer uma recomendação às autoridades para que evitasse a aglomeração de pessoas e, se o pastor presidente, por exemplo, não tomasse as precauções, que respondesse por algum tipo de crime, com uma penalidade. Mas jamais poderia acontecer a interferência do Estado determinando se a igreja abre ou fecha”, completa.
Efeitos positivos
A psicóloga Gislayne Machado entende que, em momento de pandemia, é importante a assistência espiritual que a igreja dá à população.
Ela afirma que pesquisas acadêmicas comprovam que a fé, independente da escolha de denominação religiosa, causa efeitos positivos.
“Em pacientes terminais, por exemplo, pessoas que possuem uma religião aparentam ter uma morte mais tranquila. A igreja representa um tipo de comunidade e o líder é a figura em quem buscamos a conexão com o divino. Assistir cultos ou missas é muito importante para que se tenha esperança de tempos melhores. Vide os povos perseguidos na Coreia, China e Irã. Como seria a vida deles sem ter em quem se apoiar já que o governo e o dia a dia não apresentam possibilidades positivas?”, comenta Gislayne.
As notícias negativas sobre a doença e o isolamento social que se impôs por causa da Covid-19 trouxeram consequências psicológicas às pessoas. Gislayne explica que cada um é afetado pelo isolamento social de maneira diferente, dependendo da estrutura mental ou emocional.
“As consequências dependem se a pessoa é introvertida ou extrovertida, se ela tem alguma obrigação ou função para realizar, se tem parentes ou amigos próximos que possam conversar ou conviver. O isolamento em que estamos passando não é um isolamento clássico. Temos várias alternativas de entretenimento, mesmo que não sejam as ideais de acordo com o gosto de cada um. A questão que vejo como perigosa, neste momento especial, são as notícias que se ouvem por meio da imprensa e a falta de maturidade de alguns para lidar com ela e, principalmente, se esses ouvintes já possuem uma comorbidade psíquica anteriormente instalada”, completa.
A fé que dá força
O pastor Iron Queiróz, da Igreja Batista Shalom, em Brasília, não parou de trabalhar desde que a pandemia começou. Ele entende que a igreja foi um amparo espiritual e psicológico durante o isolamento social. O aconselhamento ajudou as pessoas a serem fortalecidas em um momento difícil.
“Fiquei impressionado com o número de pessoas apavoradas por causa do vírus. Muitos com síndrome do pânico. Outros com tristeza. Acompanhei um caso muito triste em que o marido se suicidou na frente da esposa”, lembra o pastor.
Tânia Rocha Correia, membro da Igreja Batista Central de Brasília, entende que a igreja é um amparo durante a pandemia. Ela participou dos cultos on-line e lamenta que a igreja permaneceu fechada e os trabalhos de aconselhamento foram interrompidos momentaneamente. Tânia diz que fez um curso de aconselhamento, mas não pode exercer a atividade porque esse trabalho específico foi interrompido. “Minha igreja não possui célula. Por isso eu acho que, neste momento, algumas pessoas ficaram sem ter a quem recorrer para conversar”, disse.
É unânime a opinião de que a igreja é socorro social. Membro da Igreja Assembleia de Deus em Sobradinho, no Distrito Federal, Dionaldo Alves Cangerana ressalta como é importante a assistência que a igreja oferece à população.
“A igreja tem no pastor um apoio espiritual, tem trabalho de aconselhamento, tem a
Bíblia como palavra da verdade e ainda tem profissionais capacitados para atuar em diversas áreas como psicologia, medicina, psicoterapia, entre outros”.
Roabe Silva Soares, membro da Assembleia de Deus Berseba, diz que foi muito ajudado pelas atividades religiosas. Já Maria de Fátima Rodrigues Lopes entende que, manter as atividades da igreja funcionando durante a pandemia, foi fundamental para que não houvesse um esfriamento espiritual, um enfraquecimento da fé.
“Nós podemos cultuar mesmo com o culto on-line. Isso foi importante porque o apoio espiritual, a confiança e a fé em Deus evitou que o desespero e a ansiedade nos consumisse com pensamentos negativos. Acredito que só Deus pode nos dar o autocontrole que necessitamos nesses tempos”, completou Maria de Fátima, membro da Igreja Assembleia de Deus Ministério de Madureira.
Diante da assistência prestada pelas diversas denominações, não resta dúvida de que a igreja está presente na vida, preenchendo um espaço fundamental na fé de cada um. Igreja é um hospital espiritual. Deve permanecer de portas abertas durante a pandemia, seguindo as regras de segurança e acolhendo quem buscar ajuda.